domingo, 27 de junho de 2010

Guarda-chuva sob a lua


"Acalme-se,
Estou guardando no fundo do baú
Aquele sentimento repugnante
Que me causa ânsia
De tanta mentira.

Console-se,
Enquanto o céu ainda está azul
Olhe a estrelas por um instante
Por que tanta alternância
Entre dor e alegria?

Anime-se,
Quando um sentimento nu
Causa arrepios doravante
Alivio-me em última instância
Por ver que sorria.

Só não chore
Por não estar em lugar algum
Do meu coração errante
Que confiou-lhe uma esperança
E acabou em melancolia."

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Louca.

por Tati Bernardi


Uma vez, no recreio, comendo um Bis derretido, pensei isso, pela primeira vez: e se eu ficasse louca?
Vi minhas amigas trocando papéis de cartas, vi uns meninos correndo de testa suada, vi uma professora caminhar como alguém que pensava em alguém que ela encontraria no final do dia, vi tudo isso como se não pudesse ter, ver, ser.
E se eu ficasse louca. Que triste para meus pais, que triste para a carteira vazia da escola, que triste para os livros plastificados com a etiqueta que dizia que era eu. Uma estudante, uma garotinha, com família, amigos, presilhas de cabelo, camisas brancas PP com um brasão que trazia um livro e um fogo. Se eu ficasse louca tudo isso seria o quê? Pra onde iriam os materiais e as pessoas e o amor? E se eu ficasse louca? Quem iria me ver babar num canto de um hospital? Existe louco em casa? Mãe ama os loucos? Louco tem amigo? Louco tem livro plastificado? Louco começa e não para mais até acabar? Louco uma vez, louca pra sempre? Converse. Respire. Pense em garotos. Pense em xampus. Vamos. Não fique louca. Mude de assunto. Pense na menina mais bonita do mundo e odeie. Dê nome pra loucura que ela deixa de ser. Sinta dor com nome que assusta menos. Caia na aula de educação física, rale o joelho, sangre, dói menos. Desembarace os cabelos e sinta que problemas se alisam. Faça o papel do Bis virar um barquinho. Isso. Conte uma piada. Se os outros rirem bastante. Se a sua estranheza puder ser amada. Qualquer coisa menos loucura. Pense naquela música da rádio. Não, você não está triste. Uma fofoca e pessoas em volta. Vá até o banheiro retocar o batom da moranguinho. O professor mais ou menos bonito, por ele. Os outros. Olhe. Os outros. Vamos. Que data mesmo? Da guerra. Que data? Qualquer coisa. Menos louca. O hino. Sujou um pouquinho da meia. Limpinha. Dê nome aos problemas. Problemas com nomes são problemas e não loucuras. Sempre evitando que ela saia. Sempre segurando. Não caia dura no meio do mundo. Não se chacoalhe no meio do pátio. Não vomite só porque sei lá o que é isso impossível de digerir e nem quero saber. Não abrace sem fim porque é preciso sentir o vento com o peito sozinho. Terrível mas tem banho quente pra distrair. Não espanque, não soque, não chore sangue, não arranque a língua, não grite, não acabe. Siga. Sorria. Mais uma prova. Mais uma festa. Mais um garoto. Sempre um pavor escondido mas nem era nada disso. Sempre uma tristeza abafada mas nem era nada disso. Sempre uma alegria exagerada que ninguém acolhe e o silêncio depois, fazendo curativos na pureza criando cascas. Um dia você será. O quê? Normal. Um dia você será. Normal. Um dia. Enquanto isso, se distraia como a professora que ama, as crianças que trocam papéis de cartas, os garotos que correm. Eles estão se distraindo também e pensando “olha, uma menina comendo Bis”.


terça-feira, 15 de junho de 2010

#cfa_feelings ..

(Trechos de "Dama da noite " de Caio Fernando Abreu)

" .. Você não viu nada, você nem viu o amor. Que idade você tem, vinte? Tem cara de doze ..

E acontece que eu ainda sou babaca, pateta e ridícula o suficiente para estar procurando O verdadeiro amor ...

Como se eu estivesse por fora do movimento da vida.
A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, ...

Como queria tanto saber poder te avisar: vai pelo caminho da esquerda, boy,
que pelo da direita tem lobo mau e solidão medonha ...

Nem é você que eu espero, já te falei.
Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar.
Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho.
Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine,
chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir.
Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi.
Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho,
pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo ...

. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite.
Não por você, por outros ecmo você. Pra ele, me guardo.
Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula,
só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor.
Cuidado, comigo: um dia encontro.
Dá minha jaqueta, boy, que faz um puta frio lá fora
e quando chega essa hora da noite eu me desencanto.
Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada
sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada."


quinta-feira, 3 de junho de 2010

époisé

" (...) Só eu sei que cheguei à humildade máxima que um ser humano pode atingir:confessar a outro ser humano que precisa dele para existir.

E no momento em que se confessa a precisão,
perde-se tudo, eu sei."

terça-feira, 1 de junho de 2010

Quase ...

"Ainda pior que a convicção do não
é a
incerteza do talvez,
é a
desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece,
que me mata trazendo tudo que poderia ter sido
e não foi.


Quem quase ganhou ainda joga,
quem quase passou ainda estuda,
quem quase morreu está vivo,
quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades
que escaparam pelos dedos,
nas chances que se perdem por medo,
nas idéias que nunca sairão do papel
por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes,
o que nos leva a escolher uma vida morna;
ou melhor não me pergunto, contesto.
A resposta eu sei de cor,
está estampada na distância e frieza dos sorrisos,
na frouxidão dos abraços,
na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.

Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.
Talvez esses fossem bons motivos para decidir
entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo,
o mar não teria ondas, os dias seriam nublados
e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina, não inspira,
não aflige nem acalma,

apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas,
nem que todas as estrelas estejam ao alcance,
para as coisas que não podem ser mudadas
resta-nos somente paciência,
porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória
é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Para os erros há perdão,
para os fracassos, chance,
para os amores impossíveis, tempo.
De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.
Não deixe que a saudade sufoque,
que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando,
fazendo que planejando,
vivendo que esperando porque,
embora quem quase morre esteja vivo,
quem quase vive já morreu."

( Luiz Fernando Veríssimo )